O arnés, a par das cordas de escalada, é considerado um dos equipamentos mais básicos para quem pratica actividades de montanha. No entanto, o arnês como o conhecemos hoje, é uma invenção relativamente recente quando comparado com as cordas.

A importância que este equipamento tem na nossa segurança quando estamos na parede, leva a que consideres com atenção a escolha daquele que melhor responde aos teus objectivos. Devem ser tidos em conta critérios como conforto, resistência e durabilidade. Para o teu bem-estar e segurança este é dos melhores investimentos que podes fazer.

Na imagem abaixo podes ver Lucy Smith e Pauline Ranken do Ladies’ Scottish Climbing Club, a escalar Salisbury Crags, por volta de 1908 (ambas sem o nosso tradicional arnês).

Salisbury Crags c.1908

Sem Arnês, Sem Capacete,
Sem Pés de Gato,
Sem Problemas.

© National Library of Scotland

Breve História

Se já leste o artigo Cordas e Cordinos, sabes que nos primórdios os escaladores atavam a corda directamente à cintura. Mas tudo começou a mudar quando Jeanne Immink, uma alpinista holandesa, criou no final do XIX o que seria considerado o primeiro arnês. Este é aliás um dos poucos casos de equipamentos de montanha cuja criação é creditada a uma mulher. Escalava frequentemente nos Dolomitas onde existem dois picos com o seu nome.

Foi reconhecida pelos seus pares e historiadores como a pioneira da escalada feminina e a primeira a escalar de calças (na altura as mulheres escalavam de saia, ver imagem acima).

Mais ou menos na mesma altura surgiu o “Swami Belt” cujo princípio era semelhante ao “arnês” de Jeanne Immink. O “Swami Belt” era realizado com a corda enrolada à volta da cintura (3 a 4 voltas) e atadas com um nó (Lais de Guia). Ambos não contemplavam as alças das pernas, algo que surgiu apenas muitos anos depois.

Foi só em 1968 com Bill Forrest, um escalador norte-americano, e após várias tentativas falhadas, que surge a primeira versão do arnês de escalada como o conhecemos hoje. Na altura, Bill Forrest e George Hurley usaram este novo modelo para completaram a primeira ascensão da face leste de Baboquivari.

Na mesma década no Reino Unido, começam a surgir alguns dos primeiros equipamentos de escalada. Nessa altura o escalador britânico Don Whillans projectou um arnês que foi fabricado pela empresa Troll. Este modelo começou a ser fabricado em massa e pela sua qualidade, conforto e ergonomia tornou-se uma referência em todo o mundo. O moderno arnês que temos hoje deve muito a este modelo dos anos 60.

Whillans Sit Harness

Whillans Sit Harness

© Climbing.com

Partes de um Arnês

Independentemente do arnês, há partes do mesmo que são, não só comuns a diferentes tipos de arnês, como são facilmente identificadas e que nos ajudam a escolher aquele que mais se adequa às nossas necessidades.

Cinto Lombar – Uma das partes mais importantes de um arnês é o cinto lombar (waist belt). Tem impacto directo no conforto, peso e segurança. Concede estrutura ao arnês e quase todas as outras partes/componentes do arnês estão directamente ligadas ao mesmo. É ajustável à volta da cintura através de uma ou duas fivelas.

Alças das Pernas – As alças das pernas (leg loops) permitem uma melhor distribuição do peso. São feitas normalmente do mesmo material que o cinto lombar e estão ligadas a este, através de duas cintas elásticas ajustáveis e pelo ponto de encordoamento que liga ao anel central. Existem alças com e sem ajuste a nível do diâmetro da perna.

Anel Central – O anel central (belay loop) liga os dois pontos de encordoamento do arnês e é o ponto mais resistente do mesmo. É testado para suportar uma carga mínima de 15kN. É no anel central que colocamos o mosquetão com o equipamento que usamos para fazer segurança ou rapel (ATC, Gri-Gri, etc.). O kit de Via Ferrata é também fixado a este ponto.

Pontos de Encordoamento – Os pontos de encordoamento (tie-in points), um no cinto lombar e outro que une as duas alças das pernas, estão unidos pelo anel central e são os pontos por onde deve passar a corda, cordino ou cinta. É importante que a corda ou cordas, cordino ou cinta, passem sempre pelos dois pontos de encordoamento (redundância).

Porta-Materiais – Os porta-materiais (gear loops) foram concebidos unicamente para carregar equipamento como expresses, etc. É normal existirem 4 porta-materiais num arnês, mas este número pode variar especialmente nos modelos ultra-leves. Podem ser feitos de cordino, cinta, plástico ou de uma combinação de dois destes materiais.

Fivelas de Ajustes – As fivelas de ajuste (buckles) permitem ajustar o cinto lombar ao tamanho da cinta do escalador e as alças das pernas ao seu respectivo diâmetro. São feitas de metal e normalmente bloqueiam de forma automática. Existem modelos de arnês cujas alças das pernas não têm fivelas de ajuste.

Anel Auxiliar Traseiro – O anel auxiliar traseiro (haul loop) está localizado na parte central traseira do cinto lombar. É usado normalmente para levar uma corda de apoio, saco de magnésio ou o calçado de aproximação. Nunca devemos usar o anel auxiliar traseiro como se fosse o anel central (não serve para fazer rapel australiano).

NOTA: Um arnês especializado para uma determinada utilização, pode apresentar uma configuração diferente e ter mais componentes devido à sua especificidade.

Partes de um Arnês

Arnês Ophir
© Mammut

Tipos de Arnês

Cada arnês é desenvolvido para um tipo de uso específico. Isto permite classificar diferentes modelos em vários grupos. Duma forma generalizada e abrangente podemos definir as seguintes categorias: escalada desportiva/rocódromos, escalada clássica e mista, escalada alpina e montanhismo, especializados (canyoning, integrais, espeleologia e trabalhos verticais de acesso por cordas) .

Apesar das diferenças, em termos práticos podemos usar um arnês de escalada desportiva para montanhismo e vice-versa. Mesmo a nível de canyoning ou espeleologia, é perfeitamente aceitável usar um arnês de escalada nessas actividades (embora possa ser considerado um “crime” pelo tipo de desgaste ao qual o arnês vai ser submetido).

Existem também modelos de arnês desenhados especificamente para mulheres e crianças. Estes modelos foram criados para oferecer um melhor ajuste, conforto e segurança, tendo em conta as características físicas de mulheres e crianças.

Escalada Desportiva/Rocódromos – Um arnês para escalada desportiva ou rocódromos é normalmente mais leve, minimalista, e as fivelas de ajuste para as alças das pernas são muitas vezes excluídas. Embora coloque estes dois tipos no mesmo grupo, um arnês para rocódromo tende a ser ainda mais simples abdicando por exemplo do número de porta-materiais. Por seu lado, um arnês de escalada desportiva tem por vezes um cinto lombar mais confortável, o que implica um aumento de peso.

Escalada Clássica/Mista (Gelo e Rocha) – Um arnês tradicional de escalada clássica tem muitas semelhanças com um de escalada mista, razão pela qual estão inseridos no mesmo grupo. São caracterizados por terem mais porta-materiais e de maior dimensão, alças das pernas ajustáveis e apoio lombar mais reforçado. A presença do anel auxiliar traseira é uma constante. Estão pensados para um uso intensivo e para muitas horas na parede. Oferecem um bom nível de conforto sem grande aumento de peso.

Escalada Alpina/Montanhismo – Apesar das semelhanças entre um arnês para montanhismo e um para escalada clássica, há diferenças que permitem colocar estes dois tipos de arnês em grupos diferentes. No montanhismo encontramos secções com neve, gelo, e/ou rocha que poderão requerer o uso de arnês (escalada alpina) ou secções nas quais o arnês pode ser dispensado. Ambos os grupos são idênticos em termos de funcionalidades, embora um arnês para escalada alpina e montanhismo seja normalmente mais leve.

Especializados – Neste categoria estão incluídos todos os modelos de arnês que apresentam características desenvolvidas para dar resposta a necessidades específicas. Os mais comuns são os de canyoning, espeleologia, integrais e de trabalho.

  • Canyoning – Caracterizados pela protecção na parte de trás, são fabricados com materiais resistentes à água e o seu “anel” central é normalmente metálico.
  • Espeleologia – Mais resistentes e simples, têm os pontos de fixação posicionados o mais baixo possível para que ascender numa corda seja mais fácil e eficiente.
  • Integrais – Combina um arnês de peito e de cinta (pélvico) numa só peça. Oferece melhor suporte e é por isso usado em resgate e crianças pequenas (escalar).
  • Trabalho – Podem ser integrais ou não. Estão pensados para longas horas de uso e além do conforto adicional, têm mais funcionalidades incluindo a nível de segurança.

Canyoning
© Petzl Canyon Guide

Petzl Canyon Guide
Petzl Aven

Espeleologia
© Petzl Aven

Como Escolher um Arnês

Considerando as características de um arnês e o tipo de uso ao qual se destina, podes agora escolher aquele que melhor se adapta às tuas necessidades. Deves considerar as diferentes partes que um determinado arnês apresenta, mas também o tamanho, durabilidade, conforto e finalmente o preço.

Escusado será dizer que este equipamento ter de estar obrigatoriamente certificado. No caso de um arnês tipo C (todos os mencionados neste artigo destinados à escalada), deve estar homologado segundo as normas EN-12277 e UIAA-105. Um arnês integral específico para crianças é tipo B e é projectado para pesos até 40kg.

Tamanho – Um arnês deve ficar justo mas não demasiado justo. Quase todos os modelos têm tamanhos que vão desde o XS ao XXL. Deves consultar as tabelas das marcas pois podem existir diferenças entre dois M’s de marcas diferentes. Na zona da cinta, que conta sempre com pelo menos uma fivela para ajustar, será mais fácil compensar um maior ou menor volume. No caso das alças das pernas e caso não tenham fivelas de ajuste, a escolha deve ser mais cuidada. A regra é: deves conseguir enfiar a zona dos dedos de uma mão entre a perna e a alça. Deves considerar ainda dois aspectos, escalar no verão implica menos roupa em relação a escalar no inverno. Avalia o tamanho do arnês de forma a compensar duas ou três camadas de roupa. Finalmente tem atenção às diferenças de tamanho entre um arnês para homem e um para mulher, mesmo que sejam o mesmo modelo.

Durabilidade – A resistência e durabilidade de um arnês é muito importante pois estamos a falar de um equipamento que tem impacto directo na tua segurança e que não contas ter de substituir todos os anos. Neste aspecto têm influência o número de vezes que escalas, os locais onde escalas, como escalas e como cuidas e armazenas o teu equipamento. Outro factor importante é o número de quedas que duma forma geral todos queremos que seja o mínimo possível. Os materiais dos quais um arnês é feito são duma forma geral semelhantes e ao serem certificados segundo as normas europeia e da UIAA, tens a garantia que respeitam os valores mínimos de resistênca.

Conforto – Quando planeamos passar muito tempo em actividade com um arnês, este aspecto deve ser um dos mais importantes. Estar pendurado durante longos períodos de forma desconfortável é algo pelo qual não queres passar. Um cinto lombar mais largo e acolchoado oferece melhor apoio. O mesmo acontece para as alças das pernas. Não te esqueças também que a escolha do tamanho certo é fundamental. O conforto de um arnês está habitualmente ligado a outros dois factores, o peso e o preço. Quanto mais confortável for um arnês, normalmente mais pesado e caro ele é.

Preço – O preço de um determinado tipo de equipamento é muitas vezes um dos primeiros factores a considerar, mesmo que não seja o mais importante. No entanto, no caso de um arnês, pela influência que tem no nosso conforto e segurança, este aspecto deve ficar para segundo plano. Não estou a dizer que deves investir no arnês mais caro, mesmo porque um bom arnês não significa necessariamente que seja mais caro. Deves é considerar primeiro as características e o tipo de arnês que precisas, para depois procurares aquele que melhor relação função/preço oferece.

Conclusão

O arnês é uma peça fundamental do teu equipamento de escalada, montanhismo ou canyoning. A sua escolha deve ser cuidada, tendo em consideração o tipo de uso que lhe vais dar. Deves também considerar que nem sempre é possível ter um arnês para cada tipo de utilização. Terás de arranjar um compromisso que cubra as actividades que praticas.

Se tens essa possibilidade e és multi-actividades, recomendo que penses num arnês para tudo o que tem a ver com escalada e Vias Ferrata e num outro para canyoning. É a principal distinção que eu faço pelo ambiente em que a actividade de desenrola e tipo de desgaste que cada arnês vai sofrer.

É importante que te sintas confortável com ele se pensas dar-lhe uso regular. Em termos de segurança, sempre equipamento certificado (EN-12277 e UIAA-105) e aprende a usá-lo devidamente. Verifica sempre se o arnês está devidamente ajustado e fechado.

Se tens dúvidas sobre equipamento ou alguma técnica, podes deixar um comentário na secção abaixo, ou enviar um e-mail para academy [at] rokomondo.com.

Boas Aventuras!

About the Author: Pedro Soares
As montanhas foram desde cedo um refúgio para o Pedro, sendo regularmente mencionadas por ele como a sua casa. Pratica escalada, montanhismo e canyoning há mais de 25 anos, numa procura constante de novos desafios. É com a escalada clássica/alpina que mais se identifica. O seu profundo e contínuo desejo de aprender, aliado à sua paixão por ensinar, são duas das características que mais o distinguem. Concilia o seu trabalho de fotógrafo e designer com o de guia e formador.

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